domingo, 18 de novembro de 2012

O Cantar da Cigarra e a Primavera de mim.

E as chuvas chegaram de vez. Marcando o reflorescer das árvores e jardins numa primavera tardia e insegura como eu.

Estou na primavera dos meus dias embora meus sonhos e planos já a muito se encontram outonais... Mas ainda assim resisto. Bato firme no compasso da neblina úmida e fria que antecede a chuva que decanta com vigor a peleja dos dias. Assim, sinto-me como  aquele mel que ficou contido no fundo do favo, guardado, escondido e pronto para ser macerado, sugado até o final, misturando no hálito e num doce aroma, exalar-me íntegra.

A primavera rompe-me em botões, feito mudas de mim, feito flores de mim, feito o que ainda não sei. Brota-me instintos e devaneios, acende-me, tangencia-me, escoa-me... 

Fico vendo uma cigarra a cantar indefinidamente em um galho de pitangueira a frente da janela de meu quarto... Seu zunido apossa-me e deixo-me interagir com ela, no compasso de quem canta com dor, a dor de romper-se inteira para redesenhar-se enfim. A maioria das espécies, na primavera, se aprontam para o namoro, a liturgia do acasalamento, a nobre missão de preservar-se, mas a pequena cigarra, solitária, rompe-se em si mesma, num canto solitário, crescente e exaustivo. Não é paixão que a faz cantar, não é a poesia da vida que a faz ser única naquele galho. É a sua essência, o seu precisar, o seu despedaçar, que depende de cada acorde triste e de certa forma violenta consigo mesma, de cada pausa de cada pulsar de seu frágil corpo.

Quando ela sair da casca que a aprisiona e lhe aperta já não será a mesma, eu acho. Sairá senhora de si. Mais exigente, mais fortalecida por ter resistido, cantando, o período da dor. Os dias de sol e de chuva já não parecerão tão angustiantes quando em nova roupagem puder voar.

A noite finalmente chega e ela parece cansar-se, meu pensamento pára no tempo como se espreitasse o porvir. Acabo me convencendo que me soltei primeiro que ela de minha prisão. Abandonei meu galho com minhas vestes pesadas e envelhecidas, cheias de marcas de meu calvário, cheias de amargos e solitários cantos de dor. Minha sensação é única e indescritivelmente bela porque ainda não sei no que me transformei. Não trago lembranças - todas elas ficaram pra trás - Não trago expectativas. Sonho de novo . E de novo é o amor que me veste, o mel que me adoça e o perfume das rosas que me trasporta para longe... Nos novos ares que hora respiro.

Feliz.Canto.

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