Tenho meditado com bastante profundidade sobre o abismo das almas.

Aquele sentimento que a gente tem e fica com receio de trazer a tona as vezes, e que, as vezes, a gente tem necessidade de voltar-se a ele, como um solitário pensador no abismo de suas ilusões. Como um viajante que chegou ao topo da montanha e não sabe se quer voltar. E olha a imensidão e sente a paz que ecoa de todos os lados pelo vento....
Acho que todo mundo tem esse sentimento guardado em si. Não guardado no sentido de apego. Não! Isso seria estranho e possessivo demais. Mas guardado no sentido de ter vivenciado este vale de silêncio, este mundo que é só seu e por mais que tente expor, compartilhar e até mesmo descrever, tudo fica longe demais de sua essência, de sua alma. - É o abismo que acaba nos separando dos demais quando estamos neste processo íntimo e particular. Do "eu" que não se estende ao outro, e por mais que queiramos tirá-lo de nós está lá aguardando nossa volta, nossos gritos estão ecoando por toda parte dentro dele, nossos sonhos, nossas lágrimas e nossas absurdas juras de amor. Tudo ali, na profundidade deste abismo, no espaço de si mesmo.
Somos o que somos.
Resultado de nossas conquistas, nossos erros, nossos risos e mal humor; somos a noite enluarada, a manhã nublada, o sol e a chuva... Somos aquele omelete que despedaçou, o suco de laranja "adoçado" com sal, e aquela macarronada que não deu certo... Somos a frustração de não ter realizado um projeto de vida decente, de não viver em uma casa organizada, ou organizada demais e não poder bagunçá-la... A receita do bolo que era necessário colocar apenas o ovo e mesmo assim não deu certo; somos aquela cara de caneca quando recebemos um presente de aniversário que não é a nossa cara... Somos tudo isso e muito mais e tudo isso cabe em nosso abismo, eles cabem direitinho dentro dele. Cabem porque nossa jornada dependerá disso tudo lá na frente.
É estranho pensar que cada erro e acerto, cada tropeço e passo adiante irão nos contabilizar no futuro tal qual prestação de carnê paga.
Seremos aqueles velhinhos que terão história para contar e tirar da cartola das idéias causos que os mais jovens irão chorar de rir e se tivermos sorte e lucidez, poderemos nos comprazer disso tudo. Poderemos dizer com certa tranquilidade que quitamos nosso carnê de prestação de contas dos dias com todas as parcelas pagas e bem pagas... Diremos que fomos bacanas, boas praças, gente do bem.
Mas o que espero mesmo, para quando este tempo chegar, é poder sentar com meus sobrinhos, afilhados e jovens amigos e poder mostrar que vivi de corpo e alma. Que minhas rugas e brilho no olhar possam mostrar a cada um deles o que meus cabelos tintos e mãos tremulas não poderão dizer. Que eu tenha a oportunidade de conduzir cada um deles, como uma amiga leal e discreta, ouvindo-os, ajudando-os, direcionando-os nas melhores escolhas da vida.
Vê-los seguindo ao longe a estrada que não poderei mais seguir... Olhar pela distancia dos dias que nos cercarão como um anjo protetor, zeloso, amoroso...
Chegará o tempo que meu corpo e minha alma seguirão impassíveis para o abismo de sonhos e lucidez. E terei pouco para deixar, senão meus frutos.
Meu tempo de colheita vai se extinguindo, eu sei. Não me sinto culpada por não ter tido frutos.
Colhi flores. Perfumei a vida. E florescer é magicamente belo.
Para Camila e Kyle; Matheus e Gabriel; Camily e Aléxia...
e quem mais chegar.